Quem nasceu na tão amada década de 80 aqui no Rio de Janeiro, certamente se lembrou dos funks só de ler o título desse post. Acompanhamos desde o início, quando ainda se confundia bastante com o Rap. Lembro-me dos primeiros que surgiram, quando eu era criança. As letras eram diversas: algumas engraçadas, outras tristes e em geral eram bem mais suaves, mas nunca deixaram a desejar quanto ao seu propósito: A contestação.
Hoje vou mostrar alguns bem antigos, os primeiros Raps e Funks que me lembro e quem viveu essa época certamente vai identificá-los. Quem nasceu depois, vai conhecer um pouquinho mais da expressão popular dos morros daquela época em que não se maquiava com o termo comunidade.
Feira de Acari – Mc Batata
Esse rap sempre me faz lembrar da minha infância. É mais antigo que o funk da era Claudinho e Buchecha e me faz ir diretamente pra 199? com as festinhas de play. Claro que a gente só sabia cantar o refrão, não existia o tio Google pra nos dizer a enorme letra.
Mas me assustei com o preço e fiquei sem solução
Eu queria um fogão quando ia desistir
Um amigo me indicou a Feira de Acari Ele disse que na feira pelo preço de um bujão
Eu comprava a geladeira as panelas e o fogão
Tudo isso tu encontra numa rua logo ali
É molinho de achar é lá na feira de Acari É sim lá em Acari (x4) Lá existe um barraqueiro que atende por Mané
Ele vende muita coisa sempre tem o que tu qué
A barraca muito grande nela você sempre passa
Com merreca paga as pilhas e o rádio vai de graça Tinha uma promoção na barraca do Mané
Se alguém comprasse tudo ele dava a sua mulher
Tudo isso tu encontra numa rua logo ali
É molinho de achar é lá na feira de Acari Já levei o meu avô pra mostrar que eu não minto
Ele foi no troca troca da barraca do Jacinto
Meu avô trocou as calças meu avô trocou o cinto
Meu avô trocou cueca e trocou até um pinto Quando eu voltar na feira meu avô quer ir de novo
Ele está tão satisfeito que já quer trocar um ovo
Tudo isso tu encontra numa rua logo ali
É molinho de achar é lá na feira de Acari Preste muita atenção no que agora eu vou falar
Se você quer transação, Acari cê vai achar
Se levar algum dinheiro maloca a merreca
Põe no bolso, no sapato e o resto na cueca Porque lá tem gente boa e malandro adoidado
Já venderam prum otário o morro do Corcovado Tudo isso tu encontra numa rua logo ali
É molinho de achar é lá na feira de Acari
Rap do Surfista de Trem
“Surfista zona sul, de manhã come mamão, surfista zona norte muito mal café com pão.“
Essa é da mesma época da Feira de Acari. O Funk ainda estava meio misturado com o Rap e as músicas que contestavam a situação precária da população das favelas já ganhava força.
surfista zona norte muito mal café com pão na hora do almoço come bife com fritas surfista zona norte leva o ovo na marmita surfista zona sul surfa cheio de energia
surfista zona norte esbanjando anemia surfista zona sul tem o corpo morenão surfista zona norte queimado de alta tensão surfista zona sul só anda com sereia
surfista zona norte só namora mulher feia surfista zona sul sempre tá contente surfista zona norte ri, mas falta muito dente surfista zona sul desliza cheio de graça
surfista zona norte com a mão suja de graxa surfista zona sul vai da Barra pro Havaí surfista zona norte da Central à Japeri da zona sul à zona norte ou em qualquer lugar
quem não tem prancha vai de trem
o importante é surfar
Rap do Silva – Mc Bob Rum
“O Funk não é modismo, é uma necessidade. É pra calar os gemidos que existem nessa cidade.“
Esse funk tem uma letra forte, mostra que nas favelas também há pessoas de bem, não apenas bandidos. Quando fala “era só mais um Silva”, está generalizando toda aquela população que vive em condições precárias e que são tratados como uma massa sem importância. Como aqui no Brasil o sobrenome Silva é muito comum, foi usado pra dar essa impressão impessoal. Vejam que nem o nome foi utilizado, apenas o sobrenome.
por que tem muito amigo que vai pro baile dançar,
Esqueçer os atritos, deixar a briga pra lá
E entender o sentido quando o dj detonar (Refrão) Era só mais um silva que a estrela não brilha Ele era funkeiro mais era pai de família Era um domingo de sol, ele saiu de manhã
Para jogar seu futebol, deu uma rosa para a irmã deu um beijo nas crianças prometeu não demora
Falou para sua esposa que ia vim pra almoçar Era trabalhador, pegava o trem lotado
Tinha boa vizinhança, era considerado
Todo mundo dizia que era um cara maneiro
Outros o criticavam porque ele era funkeiro O funk não é motivo, é uma necessidade
É pra calar os gemidos que existem nessa cidade
Todo mundo devia nessa historia se ligar
Porque tem muito amigo que vem pro baile dançar
esquecer os atritos, deixar a briga pra lá
E entender o sentido quando o DJ detonar E anoitecia, ele se preparava, para curtir o seu baile, que em suas veias rolava, foi com a melhor camisa, tênis que comprou soado, e bem antes da hora ele já estava arrumado, se reuniu com a galera, pegou o bonde lotado, os seus olhos brilhavam, ele estava animado, Sua alegria era tanto, ao ver que tinha chegado, foi
o primeiro a descer, e por alguns foi saudado mas naquela, triste esquina, um sujeito apareceu
com a cara amarrada, sua mão estava um breu, carregava um ferro em uma de suas, mãos
apertou o gatilho sem dar qualquer explicação e o pobre do nosso amigo, que foi pro baile curtir, hoje com sua família, ele não irá dormir!
A Distância – Márcio e Goró
“Enquanto isso a chuva cai lá fora, tu olha da janela e chora me implorando pra te amar”
Esse funk é o meu preferido daquela época. A melodia é bonita assim como a letra e fala de um tema que nunca morre: o amor, a distância, a saudade. Nessa época eu tinha meus 12 anos e essa letra me sensibilizava muito. Vale a pena matar a saudades ou conhecê-la.
Tu olhas da janela e chora
Me implorando pra te amar Mas a distância corrói, dói no meu peito
E atentado eu me esqueço
do amor que eu tenho pra te dar… Mas simplesmente eu vou me lamentando
A chuva cai e eu continuo chorando
Desesperado e sofrendo calado
Por esse louco amor (um louco amor!) Não sei se posso pensar em alegria
Essa distância corrói meu dia-a-dia
Eu vou pro bar, então encho a cara
E bebo até cair (até cair!) A decadência em mim está formada
A minha mãe diz que é palhaçada
E me dá um café forte e quente
Para me reanimar (reanimar!) Já consciente, eu pergunto pra ela
Se a minha vida virou um novela
Se no passado ela amou
Alguém como eu amei Ela abaixa a cabeça e pensa
A sua face muda de aparência
Chorando diz pra mim:
Meu filho eu amei sim…
É visível que o funk mudou muito ao longo dos anos. Antes, mesmo sendo uma forma de expressão, uma voz de protesto, ele parecia ter um tom mais ingênuo, o que me faz pensar se a sociedade em geral está perdendo essa ingenuidade, não apenas o funk. Aqui quis mostrar algumas músicas antigas, que talvez vocês não conheçam e por isso não mostrei funkeiros como Claudinho e Buchecha, pois são conhecidos até hoje. Para aqueles que viveram essa época, espero que tenha gostado de lembrar.
E você, qual funk antigo se lembra? Deixe seu comentário sobre essa época, compartilhe conosco!
Obrigada =)
obs.: A ilustração do post faz parte do projeto Funk You e pode ser encontrada aqui.