Crônicas de amor: Foi melhor assim

E o tempo passou, você acabou voltando e por alguns dias ensaiei nosso reencontro. A cada passo em direção à escola meu peito parecia não suportar meu coração acelerado, mas a cada notícia de que você ainda não havia chegado na cidade, um estranho alívio bom percorria meu corpo. Melhor assim.
E, novamente, a cada semana tudo acontecia. Palpitações, ensaios em frente ao espelho, sorrisos decorados e frases prontas. Pilhas de roupas jogadas sobre a minha cama denunciavam a tensão em que eu me encontrava, e um corretivo sempre era necessário pra disfarçar minhas olheiras das noites de sono perdidas, ensaiando como seria ficar diante de ti. Mais uma vez você não apareceu, e eu pensei: melhor assim…
Sim, eu estava covardemente aceitando que seria melhor não te encontrar, deixar que nossa história ficasse no passado, em suspensão, com medo de um dia perceber que você não sonhava comigo, não pensava em mim e nunca me quis. Era mais fácil fingir para mim mesma que nossos corpos foram separados para bem longe contra a nossa vontade, mas que você sempre estaria lá, longe e distante pensando nos meus olhos que sorriam sempre timidamente para você quando cruzávamos pelos corredores. Eu não podia me decepcionar, não novamente e, realmente, era melhor assim.
Mas você voltou e, me sentindo insegura, imatura e desprotegida, quase não tive a coragem de te encarar, mas num susto fui. Respirei fundo três vezes e entrei na sala de aula buscando seu olhar, mas você ainda não estava lá. No entanto, ao ouvir sua voz de inconfundível timbre macio, percebi que toda preocupação havia sido em vão. Você estava presente, estava ali, atrás de mim. Era real e eu não precisava mais me preocupar com sua ausência. Agora eu tinha a segurança do seu sorriso, e de que dessa vez tudo poderia dar certo. A certeza de que uma nova chance me era dada para que eu pudesse fazer tudo diferente e finalmente te conquistar. Mas, um pequeno detalhe você não me contara. Você não pensou em mim. Você não sentiu minha falta. Você sequer queria voltar.
Era com ela que você se divertia em meio às bandas punk de sua cidade. Era com ela, sua desde sempre namorada, a qual você fez questão de omitir cada minuto que conversou comigo. Você sempre tivera alguém ao seu lado, alguém longe, porém presente, alguém com quem poderia dividir seus medos e anseios. E foi assim, após me dar conta de tudo isso, que por um momento eu te olhei e busquei novamente aquele brilho pelo qual me apaixonei. Busquei aquela segurança pela qual me dediquei. Busquei aquele menino o qual eu tinha certeza que seria meu. Mas não encontrei.
É melhor assim. Sumir da sua vida sem me despedir, como você havia feito um dia. É melhor assim, te deixar sem saber por onde ando. Nunca mais entrei naquela sala de aula. Nunca mais te procurei. Ainda tento guardar sua memória sorrindo com seus pequenos olhos verdes e mesmo sabendo que após alguns meses irás embora definitivamente, fui eu que, antes de você, parti.
E eu quase já não lembro que um dia te desejei. E continuarei mentindo para mim mesma de que foi melhor assim.
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Texto escrito para a sessão Crônicas de Amor. Qualquer semelhança com a realidade minha ou de pessoas com quem convivo pode ser mera coincidência. Pode ser. 😉

Relógio que atrasa não adianta

Conversando com um amigo meu, entramos na questão filosófica sobre o horário de verão. Depois de me dizer que já não entende os fusos e entra em parafuso quando entra o horário de verão, começamos a divagar sobre assunto.

O primeiro ponto é, o que acontece no local em que muda o dia? Tudo bem que estamos acostumados com nosso mapa mundi eurocentricamente planejado, mas e lá “atrás”, escondido do nosso olhar, lá pras bandas pós-Japão-estreito-de-bering, como muda o dia? Há uma linha oficial da mudança de data, mas e aí? Cruzamos a linha e voltamos ao dia anterior ou pulamos pro dia seguinte? Podemos colocar um pé aqui e outro ali?

Isso me lembrou uma viagem que fiz com minha família quando eu era pequena. Meu pai dirigindo na estrada quando viu uma placa e comentou: Olhem, crianças, aqui passa o trópico de capricórnio! – e bum, o carro cai em um buraco monstruoso na estrada (um daqueles de amassar a calota do Del Rey). Passei toda minha infância achando que tais linhas que cruzam o nosso planeta, como trópicos e equadores, eram realmente cavadas por algum infeliz no chão. Provavelmente um trabalho escravo.
Mas voltando ao papo nerd-filosófico de boteco: Horário de Verão.
Segundo o ser com quem eu conversava, atrasar significa chegar depois, mas quando atrasamos o relógio na mudança de horários, colocamos os ponteiros para antes. Ora, mas não deveria ser adiantado, ou melhor, empurrado o tempo pra frente? Mas se adiantar a hora é colocar mais uma, por que ao chegarmos a um compromisso antes, não estamos atrasados? Então ok, recapitulando, eu me atraso pra um compromisso mas os ponteiros atrasados são pra trás, não pra frente. Então se no relógio é assim, quando eu chegar depois do horário que marquei, falarei que estou adiantado. Entenderam?

A única certeza que eu tenho, dos velhos tempos dos anos 80, é que relógio que atrasa não adianta. E tenho dito.

Be Happy!

cherry bomb

Eu não assisto TV. Me recuso a ficar em frente a uma tela sendo bombardeada por notícias que nunca mostram tudo, muito menos de assistir programas estúpidos de auditório. Novelas? Acho um saco. Sim, eu sou estranha e um dia isso já foi o meu pesadelo.

Na época da escola lembro que boyband era moda. Todas as minhas amigas arrancavam as calcinhas por bandas como Backstreet Boys, N’Sync e imitavam as Spice Girls. Eu era a própria ET que não achava graça em nada daquilo. Sei algumas músicas de tanto escutá-las, mas preferia outras músicas, que me faziam ser mais estranha ainda. Meu problema de autoestima quase zero me fez comprar um CD das Spice Girls pra me sentir parte de algo, o que nunca aconteceu. Tudo bem, Viva Forever é linda, mas querer me parecer com alguma das integrantes “cool” do grupo como as meninas da turma, era demais pra mim. E mais uma vez eu ficava de fora.

Demorei pra começar a gostar de atores de cinema e TV, e quando isso aconteceu, virei fã do David Carradine na série Kung Fu. Não era Brad Pitt nem Tom Cruise (como todas as garotas da minha idade na época) e sonhar em casar com o Príncipe William era no mínimo entediante. Ok que ele era bonitão, mas sejamos reais, essa história de príncipe (encantado) não existe. Eu preferia escolher o MacGyver como esposo, ou o Duncan MacLeod, o Highlander do que um bonitão que certamente olharia pra outra, nunca pra mim.

E fui crescendo assim. A estranha da escola, a dentuça de aparelho, a bobinha que era a última a ser escolhida no time de basquete nas aulas de educação física. Enquanto as garotas populares paqueravam os meninos mais bonitos, eu estava lá, com meu grupo de amigas ou conversando sobre Cavaleiros do Zodíaco, sobre extraterrestres ou treinando telepatia no recreio. Eu não era muito normal.

Mas hoje eu não assisto TV. Não gosto das bandas que todos gostam. Não gosto dos países que todos costumam gostar muito menos sigo o padrão de consumo que somos induzidos a seguir. Eu sou estranha, assistir novela me dá angústia, sou uma pessoa difícil de rotular e gosto de saber sempre o outro lado da moeda.

Tudo começou quando larguei a religião na qual fui batizada, pois queria mais respostas aos meus questionamentos pessoais não apenas seguir cegamente o que me falam. Aos poucos fui conquistando um espaço em mim mesma, uma estranha segurança de que o legal não é ser igual, mas sim diferente. Aos poucos conheci pessoas que me mostraram a importância de um livro. A importância de um idioma. A importância de pensar. Aos poucos me dei conta de que cada um de nós é precioso. Somos como uma joia que precisa ser lapidada até brilharmos. Me dei conta de que não existe o diferente, apenas personalidades. Percebi que às vezes, querer ser igual a todos abafa o que temos de melhor. E o que temos de melhor nada mais é que as nossas particularidades.

Hoje, eu não sou diferente. Eu apenas sou eu. Por que pra ser diferente, temos que ter uma referência de algo como sendo o normal. E ser normal, na minha visão de mundo, não é lá muito interessante.