Categorias: Escrevendo

Ou ele ou eu

Jörn Kaspuhl
Estávamos dividindo o mesmo elevador. Ele lá e eu cá. Alguns o observavam segurando o riso, outros fingiram não o ver, para que não houvesse a menor possibilidade de um assunto sem nexo ser puxado. Era uma figura excêntrica, intrigante e vestia-se de forma inadequada para o ambiente. Louco. E são esses loucos quem mais me chamam atenção.



Eu ainda acredito na humanidade, apesar de achar que há seres que habitam o nosso planeta que deveriam estar em outro, anos-luz longe daqui, de preferência em um local inóspito com o direito apenas de obter oxigênio. Ou não. Mas temos os loucos. E são esses que me causam um certo estranhamento e ao mesmo tempo curiosidade. Em um bom português, fascínio. Quem são eles, afinal? Serão os loucos tão desprezíveis assim ou seriam eles algo muito além do que podemos compreender?
Penso se um dia, fora da matrix, descubramos que os loucos são os normais e os normais são os diferentes, que tragédia que não seria percebermos que nosso modo robô-correto-na-sociedade seja um indício de insanidade. Sim, insanos, pois vivemos com medo de não encaixarmos em um padrão estruturado pré-determinado. Não seria o padrão algo fora do padrão? E se fizéssemos o que gostaríamos de fazer? E se obtêssemos a liberdade, nem que fosse por um dia?
O elevador abriu suas portas e um olhar simpático do louco adentrou minha alma, como se respondesse a mim tudo o que eu havia pensado nesse curto espaço de tempo. Querida jovem, você não pediu pra nascer e ainda lhe fazem exigências?

A porta fechou-se e nunca mais o vi.
Categorias: Livros

Face-to-face: A Dona que eu Amo

Lady Owen, de Alan Lee


A Dona que eu Amo

A dona que eu am’e tenho por senhor
amostráde-mi-a 
Deus, se vos en prazer for,
se non, dáde-mi a morte.
A que tenh’eu por lume destes olhos meus
e por que choran sempr’, 
amostráde-mi-a, Deus,
se non, dáde-mi a morte.
Essa que vós fezestes melhor parecer
de quantas sei, ai Deus!,
 fazéde-mi-a veer,
se non, dáde-mi a morte.
Ai Deus, que mi-a fezestes mais ca min amar, 
mostráde-mi-a u possa con ela falar,
se non, dáde-mi a morte.
[Bernal de Bonaval]
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A Literatura galega começou com o trovadorismo e suas poesias eram divididas em cantigas de amor, de amigo, de escárnio e mal-dizer. Bernal de Bonaval, do século XIII foi um dos primeiros a utilizar a escrita galego-português como língua literária. A cantiga fala de um homem apaixonado e que, caso não tenha o feedback dessa mulher, preferirá a morte. Algumas palavras galegas podem não ser compreendidas por nós [brasileiros] como lume = fogo, luz; falar = namorar e U = onde, em que lugar. Dizem que uma boa arte ultrapassa o limite do tempo e é o que acontece com essas obras.
Fico tentando imaginar como seriam esses trovadores na época atual. Quem hoje chora pelo outro, prefere a morte ao desprezo da pessoa amada e põe a culpa em Deus por ter se apaixonado? É muito mais importante esconder os sentimentos, seguir normas de como conquistar alguém – o famoso “vou fingir que não estou afim” – e nunca deixar transparecer o que um realmente sente pelo outro. Usar o escudo é muito mais fácil, assim como nunca ser o primeiro a ceder. Dizer “eu te amo”? Só depois de um bom tempo de namoro, e a partir daí, substituir o “bom dia” por essa frase. Como estamos superficiais! Ora, se o amor é o mais belo sentimento, que mal há em demonstrá-lo?
É verdade que o mundo pós-modernizou-se, tudo girando rápido demais, no entanto, mujeres y hombres, pisemos um pouco no freio e reparemos mais o que está ao nosso redor. Vamos pensar mais em nossas relações interpessoais e valorizar o elo face-to-face sem ser face-to-book. Vamos parar um pouco de curtir pessoas e passemos a curtir sentimentos, afinal, suspirar um pouco pensando em alguém de vez em quando faz bem. Bauman aprova.
Categorias: Escrevendo

O confuso ser confuso

 

Eu tenho um problema sério com organização. Não sei se chega a ser um TOC, metodismo demais ou todas as respostas anteriores. Durante todas as minhas graduações, mudo constantemente meu método de registrar as aulas em busca do perfeito. Quem nunca se perguntou se usaria caderno ou fichário, que atire o primeiro apagador. É normal pensarmos qual será o melhor método que iremos utilizar para anotar aulas durante um curso, mas quando isso perdura durante todo ele, é sinal de que há um parafuso a menos.

No Camilando escrevi, há uns anos – acho que em 2010 – que havia encontrado um médoto perfeito para isso: um caderno-fichário. Mentira. Minha solução durou até descobrir que aqueles botões de fechar o envoltório me irritavam e não permitiam deixa-lo aberto sem que houvesse uma morsa por baixo da contracapa. Isso me desconcertou.
Parti então para o netbook. Era legal usa-lo até que passei a pegar o ônibus cheio de pivetes, no qual eu sempre enfiava uma nota de 10 reais dentro do bolso da calça disfarçadamente para o caso de ser assaltada, ter pelo menos o dinheiro pra volta. Passei então a usar folhas de fichário e uma pasta sanfona pra frequentar as aulas da UERJ. A pasta foi ficando cada vez mais pesada e as esticadas pós-aula no bar do Cicinho não me permitiam manter um trambolho daqueles pra tomar conta. Já tinha que cuidar da minha carteira e dos 10 reais do bolso.
Mudei para o caderno. Que maravilha folhear um de 200 páginas todo escrito bonitinho, organizado com canetas coloridas respeitando metodicamente a diagramação. O problema é que o desgraçado não cabe nas bolsas e novamente tenho que tomar conta de um indivíduo chato, irritante, que além de tudo, não possui nada pra protege-lo. Uma simples queda no chão e lá se vão todas aquelas folhas soltas pelo hall dos elevadores da UERJ justamente no momento em que o elevador chega. Quem estuda lá sabe que se perder o elevador das 11 horas, só amanhã de manhã.
Agora me decidi. Comprei uma pasta catálogo transparente – para dar um ar de organização e limpeza – e coloquei todas as minhas folhas. Passei à limpo minhas 3 semanas de aula [not too much things] e ela está aqui, linda, perfeita, organizada. Para isso usei um bloco de folhas de fichário que encontrei guardado. Acho que encontrei a solução definitiva para todos os meus problemas, mas não sei por quanto tempo esse meu definitivo vai durar. Quem me conhece sabe, mudança é meu sobrenome. Aliás, acho que isso é minha única característica que não muda.